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Atolado na areia, o ônibus 19, da empresa Santos Dumont, um dos que por mais tempo serviu os veranistas

A história foi publicada originalmente nesta segunda pelo colega Ricardo Chaves, titular da coluna Almanaque Gaúcho, de Zero Hora. E o protagonista, o leitor Rolf Schmeling, é morador de Porto Alegre. Mas não importa: saindo de Porto Alegre, das cidades da Serra ou de qualquer outra região do Estado, as viagens de ida e volta ao Litoral, com os ônibus transitando pela areia junto ao mar, eram verdadeiras aventuras e ocupam parte importante nas lembranças, principalmente de quem foi criança nos anos 1950 e 1960.

Rolf resgata memórias das primeiras férias à beira-mar em Arroio do Sal, no recém- inaugurado hotel da família Kunz, como hóspedes da primeira turma, e, depois, no pequeno chalé comprado por seu pai, Wolfgang Schmeling, antigo funcionário da Casa Krahe, da Rua da Praia, na capital gaúcha. São recordações do início dos anos de 1950 que revelam uma realidade desconhecida para os mais jovens, conforme o delicioso relato abaixo.


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A chegada de um ônibus à rodoviária de Arroio do Sal, em viagem pela areia da praia
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Coletivos vindo de Torres em frente à rodoviária de Arroio do Sal
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Passageiros do ônibus linha Arroio do Sal-Porto Alegre nos anos 1950

Malas na capota, janelas emperradas

"O ciclo para o veraneio já começava na metade de dezembro, com a compra das passagens, porque sentar sobre a roda, onde havia pouco espaço devido aos paralamas, não era nada confortável. Sem lugar para as pernas, o passageiro viajava praticamente acocorado. Normalmente, os quatro assentos sobre as rodas traseiras eram os últimos a serem vendidos. Assim foi por muito tempo.A linha era operada pela Empresa Jaeger, depois Santos Dumont. Os bancos não eram reclináveis e não se sabia o que era ar-condicionado. As janelas quase sempre estavam emperradas e os guarda-volumes internos eram abarrotados de sacolas, caixas, brinquedos, vara de pescar, guarda- sol.

Mas o mais curioso no veículo era o local em que eram colocadas as malas: elas iam amarradas na capota do ônibus, cobertas por lona, para proteção em caso de chuva. Meu pai, muitas vezes, fazia o ‘ fundo musical’ com sua gaitinha de boca. Lá íamos nós. Muitas praias não tinham acesso e o motorista era obrigado a deixar seus ilustres passageiros junto ao mar, caso contrário corria o risco de ficar atolado.

Nas escalas, o cobrador subia por uma escada que havia na traseira do busão para desamarrar a lona e atirar as bagagens ao motorista, que aparava os volumes. Não raro uma mala escapava das mãos e caía, em queda livre, rompendo a fechadura e espalhando os pertences nela contida. 

A volta, às 6h, chegava a ser traumática devido à consciência que tínhamos das quase seis horas de viagem pela frente e do calor sufocante na chegada a Porto Alegre. Quem ficava observava o veículo saindo, desviando das ondas que se despejavam na praia até se transformar num pontinho e desaparecer. 

E assim, ano após ano, nosso convívio junto à natureza se repetia na nossa casinha à beira-mar. Era hora de voltar, e isso também era bom. Rever os amigos e vizinhos, reencontrar os colegas de aula e viver novamente o dia a dia. A despedida na praia junto à rodoviária, tocava o coração. 

Pessoas que se conheceram durante o veraneio, a namoradinha que ficaria por mais alguns dias, o hoteleiro badalando o mesmo sino que chamava seus hóspedes para as refeições e um ‘ coral improvisado’ que entoava a melodia mineira adaptada: ‘ Arroio do Sal, quem te conhece não te esquece jamais..." (Rolf Schmeling)

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O chalé à beira-mar da família de Wolfgang Schmeling, em 1954