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domingo, 15 de agosto de 2021

VITÓRIO ANDREATTA UM VENCEDOR.

   O piloto que concluiu a antiga prova Cachoeirinha–Capão em 49 minutos nos anos 1960

Vitório Andeatta finalizou o percurso com uma média de velocidade de 161,467 km/h
RICARDO CHAVES
Vitório Andreatta, junto à carreteira Ford nº 6, com a qual venceu a prova Guaíba–Camaquã–Guaíba
Arrojo e determinação sempre foram características destacadas do piloto gaúcho de automobilismo Vitório Andreatta (1942–2003), que trouxe a ousadia do berço. Em 23 de janeiro de 1966, na 12ª edição da prova Antoninho Burlamaque, seu destino seria estabelecer mais um recorde de velocidade: percorreu a rota Cachoeirinha–Capão em apenas 49 minutos. Já tinha outro, obtido em um festival de recordes, em 18 de novembro de 1962, quando estabeleceu a média de 196,775 km/h com o Ford nº6 numa corrida Guaíba–Camaquã–Guaíba.A Burlamaque, tradicional competição anual do verão gaúcho, partia de Cachoeirinha. O percurso dos competidores se desenrolava pela RS–030 (estrada velha: Glorinha, Santo Antônio da Patrulha, Osório), na direção do Litoral Norte, até atingir a praia de Capão da Canoa, onde eram embandeirados.
Vitório, que competia pela escuderia da família, a Galgos Brancos, optou por correr com a carreteira do pai, o lendário Catarino Andreatta. Apenas trocou o número 2 pelo 4, que, tradicionalmente, o identificava.
O carro com o qual venceu era um antigo Chevrolet, com um moderno e potente motor de Corvette. Antes, o veículo havia pertencido aos pilotos paulistas José Giménez Lopes e Camilo Christofaro e, posteriormente, foi comprado por Catarino.
Em 1964, a carenagem foi rebaixada, e o carro recebeu novos para-lamas e faróis no formato de bolha, a partir de um longo e minucioso trabalho da equipe.
Vitório Andreatta, em 23 de janeiro de 1966, na 12ª prova Antoninho Burlamaque, percorreu a rota Cachoeirinha–Capão em 49 minutos
Com a máquina tinindo, o obstinado Vitório Andreatta fez uma média de velocidade de 161,467 km/h e teve calorosa e entusiástica acolhida na sua chegada, em primeiro lugar, a Capão da Canoa. A classificação final, do segundo ao quinto colocado teve, respectivamente, Luiz Fernando Costa (15), Jaime Araújo (63), Aldo Costa (3), com carros Simca Chambord, e Raffaele Rosito (43), com FNM-JK.
Dois anos após o feito, na derradeira prova Antoninho Burlamaque, uma berlineta da Equipe Willys, o Mark I, nº 21, conduzido pelo piloto paulista Luiz Pereira Bueno, estabeleceu o tempo de 50 minutos no mesmo percurso. Resultado também excepcional, mas, por uma diferença de apenas um único minuto, não superior ao de Vitório.
Atualmente, essa carreteira vencedora, que foi restaurada, pertence a Paulo Afonso Trevisan e está preservada no seu Museu do Automobilismo Brasileiro, em Passo Fundo.
Colaborou Guilherme Ely.
AIDYL PERUCHI.







Portos em Arroio do Sal: conheça os dois projetos em andamento e os desafios que cada um tem pela frente

 

Empreendimentos da iniciativa privada visam reduzir custos e redirecionar cargas que vão para terminais de outros Estados


Apoiado por movimento de Caxias do Sul, Porto Meridional prevê quebra-mares formando bacia protetora

As ondas de Arroio do Sal, no Litoral Norte, trazem boas novas para o Rio Grande do Sul e embalam empreendedores dispostos a desatar o nó logístico que, há décadas, amarra o desenvolvimento do Estado. 

Tocados pela iniciativa privada, projetos em andamento no município preveem a construção de dois novos portos marítimos — capazes, na avaliação de entidades e especialistas, de interromper a “fuga” de cargas para terminais de Santa Catarina e do Paraná, reduzir custos e beneficiar a economia gaúcha como um todo.

Os projetos são distintos, elaborados por grupos diferentes e disputam a atenção de investidores em um trecho próximo na costa. São cerca de cinco quilômetros separando as duas áreas, entre as praias de Rondinha Nova e Arroio Seco. Ambas as propostas aguardam licença ambiental e têm pela frente uma série de desafios.  


Já apresentada ao mercado, uma delas prevê a instalação do chamado Porto Meridional. Conta com o respaldo do MobiCaxias, movimento que reúne mais de 50 entidades mobilizadas pelo futuro de Caxias do Sul. A outra envolve a construção do Porto Litoral Norte e tomou forma após divergências com o grupo da Serra (veja os detalhes abaixo). 

Em comum, os projetos têm terminais de passageiros (inclusive para cruzeiros transatlânticos), áreas destinadas a complexos industriais e acesso via BR-101, além de custo estimado de R$ 5 bilhões. Incluem, ainda, a projeção de calados mais profundos do que o registrado em Rio Grande — único porto para contêineres do Estado.



PORTOS DE ARROIO DO SAL


As perspectivas animam quem sente no bolso o preço de trazer insumos de fora e de escoar a produção para outras regiões do Brasil e do mundo. 

— Seria muito positivo para o Estado ter ao menos mais um porto. Rio Grande é o terceiro do país em expressão, mas é só um. Santa Catarina tem cinco terminais de grande porte, e o território é um terço do nosso — destaca o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Petry.

Um porto em Arroio do Sal beneficiaria principalmente empresários da Serra e produtores do Noroeste, que pagam caro para enviar produtos a Rio Grande, no extremo sul. Muitos mandam caminhões carregados até embarcações em Itajaí (SC) e Paranaguá (PR), impondo perdas de arrecadação ao Estado. Se a novidade avançar, os ganhos, segundo o presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura, Paulo Menzel, seriam generalizados.

— Devemos aplaudir a disposição da iniciativa privada em tomar a frente. O custo logístico do Estado é de 21,5%, quando não deveria passar de 6%. A economia como um todo sairia em vantagem, porque impactaria nas cadeias produtivas de forma geral. Hoje, Rio Grande está nadando de braçada. Não existe risco de prejuízo — afirma Menzel.

Superintendente do porto de Rio Grande, Fernando Estima reconhece o esforço do setor privado, mas tem dúvidas sobre a viabilidade dos empreendimentos. A criação de um entreposto na região é acalentada desde o século 19. Até hoje, o custo para superar as condições naturais adversas (litoral reto e mar revolto) impediu quaisquer tentativas.

— O governo do Estado é favorável aos terminais novos e vê com bons olhos a participação da iniciativa privada. O desafio é a viabilidade na costa brava. Se olharmos mais para cima no mapa, veremos que os portos se concentram basicamente onde a natureza oferece abrigo. A questão é saber se será possível ultrapassar a fronteira do sonho e das boas intenções — pondera Estima.

À frente da Associação Hidrovias RS, o consultor e ex-presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) Wilen Manteli concorda:

— Lógico que a ideia é importante, e não só para a Serra, mas apenas o detalhamento dos projetos vai nos permitir avaliá-los em profundidade. De qualquer forma, sendo investimento privado, temos de apoiar, porque o risco é dos investidores.

Responsável pelo desenho do Porto Meridional, João Acácio Gomes de Oliveira Neto, presidente da DTA Engenharia Portuária e Ambiental, diz não ter dúvidas de que haverá êxito.

— O investidor só vai colocar recurso se for viável do ponto de vista financeiro, e já comprovamos que é viável. O que não pode é os gaúchos continuarem com uma logística de ponta-cabeça. Pasme: a gente vê material de Caxias embarcando em Santos (SP). Não tem o menor cabimento. Isso precisa mudar — ressalta Neto.


O mais provável, segundo analistas, é que apenas um dos planos avance. Em meio à disputa, o prefeito de Arroio do Sal, Affonso Flávio Angst, vive dias de euforia. Angst não teme que as praias sejam afetadas, acredita que o município só tem a ganhar e apoia ambos os empreendimentos. 

— Estamos recebendo interessados em investir aqui quase toda a semana. Para nós, as expectativas são as melhores possíveis. Da nossa parte, estamos torcendo pelos dois — diz o gestor.

Porto Meridional: modelo onshore e capacidade para New Panamax



Projeto prevê calado inicial de 17 metros, acima da profundidade registrada em Rio Grande
Croqui / DTA Engenharia Portuária e Ambiental

Quebra-mares formarão um porto abrigado, o que reduziria o impacto das ondas revoltas do Litoral Norte
Croqui / DTA Engenharia Portuária e Ambiental

Imagem da área prevista para as instalações em terra
Porthus Junior / Agencia RBS

  • Onde: Arroio do Sal, na altura de Rondinha Nova
  • Investimento previsto: R$ 5 bilhões (recursos privados)
  • Como será: terminal de uso privado (TUP), no modelo onshore (na costa)
  • Capacidade estimada: 40 milhões de toneladas ao ano
  • Calado: 17 metros

Com o DNA de uma empresa que atua há duas décadas no ramo, o projeto do Porto Meridional, desenvolvido pela DTA Engenharia Portuária e Ambiental, promete atrair ao Litoral Norte navios do tipo New Panamax, que operam no novo Canal de Panamá, e movimentar 40 milhões de toneladas de cargas ao ano. 

A ideia começou a ganhar força em 2018, por iniciativa do ex-prefeito de Passo Fundo e ex-deputado federal Fernando Carrion. Acabou sendo encampada pelo MobiCaxias e pelo senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que auxilia na intermediação com o governo federal.


Em 2019, após estudos batimétricos (medição da profundidade do oceano), concluiu-se que Arroio do Sal era o local mais indicado para a iniciativa (até então, o alvo era Torres). A partir daí, um grupo de empreendedores comprou uma área junto à praia de Rondinha Nova, e a proposta deslanchou.  

A intenção, segundo João Acácio Gomes de Oliveira Neto, engenheiro civil e presidente da DTA, é construir no local um terminal de uso privado (TUP) do tipo onshore. Isso significa que o porto funcionará junto à costa. Terá calado inicial de 17 metros (mais profundo do que o de Rio Grande, que homologou 15 metros em 2020) e, com isso, poderá comportar grandes embarcações e cruzeiros marítimos. 

— Será um porto diferenciado, com capacidade para receber a classe de navios do novo Canal do Panamá, que foi inaugurado no ano passado. Além disso, incluímos um terminal de passageiros, que é a cereja do bolo, de olho nas oportunidades para o turismo, em especial pela proximidade com a Serra — diz Neto.

O acesso ao porto se dará pela BR-101, com uma ponte sobre a Lagoa de Itapeva. A área principal ficará junto à Estrada do Mar, e a expectativa é de que se transforme em um complexo industrial. Dali, partirá uma travessia sobre a rodovia até o oceano, com esteiras para grãos, dutos e passarela para contêineres. Na água, haverá quebra-mares avançando cerca de um quilômetro adentro, formando uma bacia protetora.   

Esse formato, conforme Neto, torna o projeto viável, reduzindo custos e riscos. A ideia é usar basalto da própria região, de pedreiras utilizadas na construção da BR-101.

— O basalto é de boa qualidade e as jazidas permitem a obtenção de grandes blocos. A viabilidade do projeto está muito centrada nisso. Será um porto abrigado, com calado ideal, que poderá ser ampliado para 19 metros, com zero assoreamento e um canal de acesso curto, que exigirá pouca manutenção — projeta o engenheiro.

A expectativa é de que as licenças sejam liberadas em um ano. Até lá, será preciso garantir R$ 5 bilhões em investimentos privados. Parte do recurso é assegurada pelos donos do terreno — seis empresários de diferentes setores que criaram uma sociedade — e o restante será captado no mercado. Segundo o grupo, já há manifestação formal de interesse por parte de investidores, mas os detalhes são mantidos em sigilo. 

O projeto foi apresentado ao secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni, no fim de junho, e também a investidores, em Porto Alegre, na última segunda-feira (9).

— Nosso porto é real, consistente e vai transformar o Estado — diz o empresário Moisés Mury, um dos donos da área, que, segundo ele, chega a 700 hectares. 

Morador de Xangri-lá, Mury não esconde a contrariedade em relação ao outro projeto em discussão, que, na avaliação dele e do grupo, “não para em pé”. A expectativa dos empreendedores é iniciar as obras do Porto Meridional em meados de 2022, com duração de 20 meses.   


Porto Litoral Norte: modelo offshore e capacidade para Chinamax


Pela proposta do Porto Litoral Norte , píer terá forma de L
Litoral Norte S/A / Divulgação

Modelo previsto é do tipo offshore, mais longe da costa e com calado mais profundo
Litoral Norte S/A / Divulgação

Previsão é de que calado chegue a 30 metros
Croqui / Doha Investimentos e Participações

Junto do porto, haverá área para complexo industrial
Litoral Norte S/A / Divulgação


Imagem da área prevista para as instalações em terra
Porthus Junior / Agencia RBS


  • Onde: Arroio do Sal, na altura de Arroio Seco
  • Investimento previsto: R$ 5 bilhões (recursos privados)
  • Como será: terminal de uso privado (TUP), no modelo offshore (no alto-mar)
  • Capacidade estimada: 43,9 milhões de toneladas ao ano
  • Calado: 30 metros

Projetado em formato offshore (longe da costa), o Porto Litoral Norte envolve uma área de 150 hectares junto ao balneário Arroio Seco. A iniciativa é da Doha Investimentos e Participações, que chegou a estar presente nas primeiras reuniões do MobiCaxias sobre o tema, mas, em razão de divergências, acabou seguindo outro caminho.  

Apoiada pelo deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), a proposta da Doha, com sede em Porto Alegre e pouco mais de quatro anos de atuação no mercado, também prevê a instalação de um terminal de uso privado (TUP), porém com algumas diferenças.


— Nosso ponto alto é o calado, que será de 30 metros. Vamos poder receber navios Chinamax, os maiores do mundo, que chegam a levar 23,4 mil contêineres. Não será um porto apenas para o Estado, mas para o Brasil e para a América Latina — afirma Anderson César Leobino, um dos sócios da empresa.

A proposta também prevê acesso via BR-101, complexo industrial integrado, terminal de passageiros e retroárea junto à Estrada do Mar, com viaduto. Segundo Leobino, a ponte de acesso até o píer será de 2,8 quilômetros, com um quebra-mar de 500 metros. O píer, no sentido transversal, terá 1,8 quilômetro. A estrutura terá a forma de “L”. 

Sobre as críticas dos concorrentes, Leobino argumenta que sua proposta “olha 50 anos à frente”. Ele afirma que já conta com a garantia de investidores estrangeiros e aval da Marinha. Chegou a ser cogitada a participação de russos no negócio, mas Leobino não confirma e evita entrar em detalhes por questões de confidencialidade.

A intenção é obter as licenças ainda em 2021 e iniciar a construção em 2022, com previsão de conclusão em 2025. Ele ressalta que “há espaço para todos” e diz que sua proposta é menos conhecida porque evita exposição “antes de ter toda a parte burocrática resolvida”.

— Não tenho falado muito justamente porque quero primeiro garantir a documentação, mas o projeto tem viabilidade, recursos assegurados, e o terreno já é nosso — diz.



sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Memória além dos escombros: a história de um dos mais célebres naufrágios da costa gaúcha

 

Cargueiro Altair não resistiu a uma intensa tempestade e submergiu no Cassino em 1976. Especialistas acreditam que ele está prestes a desaparecer


Um navio em ruínas interrompe a monótona linha de areia e mar do Cassino, a praia mais extensa da América Latina. O que restou foi um pedaço enferrujado do cargueiro Altair, talvez o mais famoso do “cemitério de navios” da costa gaúcha. 

Faz 45 anos que ele está ali. Encalhou no dia 6 de junho de 1976, três dias depois de partir do porto de São Pedro, na Argentina, com um carregamento de 3 mil toneladas de trigo. Faria escala no Rio de Janeiro e tinha Natal (RN) como destino final. 


Mas, entre o Uruguai e a costa gaúcha, encontrou uma forte tempestade. As ondas gigantes começavam a invadir o convés da proa, e a intensidade do vento só aumentava. Com visibilidade praticamente nula, o comandante Raymundo Bacellar do Carmo passou a navegar em marcha reduzida, aproado ao mar e ao vento, segundo descreve uma edição do Anuário de Jurisprudência do Tribunal Marítimo, da Marinha do Brasil. Mudou o trajeto na tentativa de alcançar o porto de Rio Grande

– Nós temos aqui um litoral retilíneo, que cria uma grande pista de vento. Isso numa costa quase sem abrigo: entre o Chuí e Torres, o único abrigo que há é o porto de Rio Grande – comenta o oceanógrafo Lauro Barcellos, diretor do complexo de museus da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). 



Mas, uns 20 quilômetros antes da entrada da Lagoa dos Patos, o navio já adernava demais. Havia entrado água do mar no tanque de lastro, usado para dar peso e manter a estabilidade. Não demoraria muito para ocorrer infiltração também na praça de máquinas. 

O comandante reuniu sua tripulação e determinou a varação do navio. Ou seja, ele decidiu projetar o navio em direção à praia para ficar preso num banco de areia. 


– Foi uma decisão para salvar vidas. Ele naufragaria se fosse adiante, então decidiu encalhar de propósito – explica Lauro Calliari, professor colaborador na área de Oceanografia Geológica na Furg

O navio varou às 13h30min, largando cinco manilhas na água. Mas as horas seguintes não seriam menos tensas para os tripulantes do Altair. Após pedir socorro pelo rádio, eles ficaram sem energia e perderam a comunicação. O rebocador Plutão não tinha condições de se aproximar, segundo o relato do Tribunal Marítimo. 

Seguia chovendo torrencialmente. Na manhã do dia 7, o comandante ordenou que abandonassem o navio. Os marujos não tiveram sucesso ao lançar o bote no mar – uma onda gigante derrubou a pequena embarcação, arremessando malas com roupas no mar. É aí que entram na história os pescadores do Cassino. 

A manchete da edição de 8 de junho de 1976 de Zero Hora destacava: “Vendaval na Costa quase vira tragédia: pescadores salvam da morte 21 marinheiros do navio encalhado”. Liderados por Henrique dos Santos, riograndinos se lançaram com a canoa Pingo do Ouro no mar revolto, conseguiram passar a arrebentação e alcançaram o navio. 


Antônio Carlos Mafalda / Agencia RBS

O navio na época que encalhou, em 1976

Henrique contou a ZH na época que os tripulantes do Altair “nem pareciam homens do mar”: 

– Estranhei muito aqueles marujos. Desesperados, queriam sair de qualquer jeito. Alguns até queriam se atirar no mar. Imagina só, com as ondas daquele tamanhão, onde iam parar? Eu mesmo coloquei uma escada do meu barco no convés do navio e subi para buscá-los. Todo mundo queria vir primeiro e foi um trabalhão acalmar aquela gente. 


Chico foi um dos pescadores que salvaram os marujos

Acostumado a salvar marinheiros em Rio Grande, ele trabalhou o dia inteiro no resgate. Henrique faleceu há cerca de 20 anos. Outro pescador, Vanderlan Leal, 81 anos, mais conhecido como Chico, também foi testemunha. Conta que, no topo das ondas, a canoa chegava à altura do convés, voltando a bater na parte baixa do casco na sequência. 

Ele jura que não sentiu medo. 

– Nós somos nascidos e criados no mar – justifica. 

 Chico calcula que fez o percurso de canoa até o navio umas 30 vezes. Ele e os demais pescadores acabaram remunerados pela seguradora pelo resgate dos tripulantes e dos seus pertences. Mas não foi o dinheiro o que compensou o esforço. 

– Pagaram uma mixaria. A gente foi mais para salvar o pessoal mesmo – galhofa o homem do mar. 


Antônio Carlos Mafalda / Agencia RBS

Pescadores usaram a canoa Pingo de Ouro para salvar os tripulantes

Os marujos foram levados aos hotéis Europa e Paris, instruídos pelo comandante a não comentar o incidente com a imprensa. Todos foram ouvidos pela capitania dos portos e liberados. 

A proprietária da embarcação, a Companhia Linhas Brasileiras de Navegação (Libra), não achou vantajoso retirar o Altair do mar. Nem mesmo a carga foi salva – os porões inundaram e molharam o carregamento de trigo. 

– Cansei de ver trigo na praia – lembra o aposentado Luiz Hidalgo dos Santos, 79 anos, que intermediava a venda de peixes àquela época. 


Reportagem de ZH atestou em 12 de junho: “O cargueiro Altair é oficialmente o mais novo integrante do cemitério de navios formado ao longo da costa gaúcha”. No inquérito da Marinha, o caso foi arquivado após ser declarado fortuna do mar – acidente imprevisível ocorrido no mar. 

O navio ainda pegaria fogo antes de se desmanchar e ser parcialmente engolido pela areia.


E o Altair vai sumir

O Altair está a 12 quilômetros ao sul da estátua de Iemanjá do Cassino, com acesso apenas pela praia. Construído no Rio de Janeiro na década anterior, tinha 69 metros de comprimento e 12,5m de largura. O que restou dele foi a popa, a parte posterior da embarcação. 

A ruína está parcialmente fora do mar, mas a visibilidade varia de acordo com a maré. Sofre com a ação do tempo e da maresia, tendo pedaços arrancados pelas ondas a cada ano. Fotografias capturadas através do tempo mostram a degradação: em 1999, estavam lá os seis mastros; há cinco anos, eram dois; hoje, resta apenas um de pé. 


Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
                                        Há 20 anos, navio ainda tinha todos os mastros Ronaldo Bernardi / Agencia RBS


O casco também já está boa parte enterrado na areia. Uns anos atrás, Calliari coletava mexilhões grudados no ferro do Altair para fazer paella, mas isso já não é mais possível. O professor acredita que, em um período entre 10 e 20 anos, o navio vá desaparecer. Admite que ficará algo saudoso quando isso acontecer – o Altair não tem grande importância do ponto de vista arqueológico, esclarece, mas virou um ícone do Cassino. 

Já Lauro Barcellos, que também é marinheiro, aposta em cinco anos para o navio se desmanchar completamente. Na verdade, ele torce para que isso aconteça. 

– Acho muito triste um barco encalhado. Encalhes sempre geram impacto ambiental negativo, sem falar que uma tripulação perdeu sua embarcação. Barcos foram feitos para navegar. 


Ponto turístico do Cassino

O Altair é quase um ponto turístico do Cassino: já estampou camisetas, cartões-postais, chaveiros e foi até nome de bar. Mas, quase meio século após o naufrágio, não há muita gente que conheça a sua história. Pelo menos a verdadeira. 

– Tem quem ache que todo mundo morreu – conta a rio-grandina Susana Nóbrega, 60 anos.

Susana é filha de Henrique, que liderou o resgate dos tripulantes em 1976. Ela era criança quando ocorreu o incidente. Só se lembra que a família comeu por mais de um mês o estoque do navio encalhado – o comandante havia liberado a dispensa para os pescadores. 

– Eu não conseguia mais ver bolacha ou frango – ri Susana. 


André Ávila / Agencia RBS

Navio está parcialmente engolido pela areia

Mas ela cresceu ouvindo relatos sobre o incidente. Muito por causa disso, decidiu estudar História na Furg. O trabalho de conclusão do curso, apresentado em 2016, não podia ser sobre outra coisa. Ela não localizou nenhum tripulante, mas reconstituiu a história do encalhe pela memória do pai e de outros rio-grandinos que foram testemunhas. 

– Meu pai sempre nos ensinou que o mar, além de ser um grande mistério, é muito traiçoeiro. E o Altair está aí nos lembrando disso. 

Nas pesquisas, Susana se aliou ao também estudante de História Celso Braga, hoje com 62 anos. Desde pequeno, ele se interessa pelos naufrágios de Rio Grande, curiosidade que aumentou enquanto trabalhou no porto, primeiro atracando navios, depois no almoxarifado. 

Foi ele quem localizou a edição do Anuário de Jurisprudência do Tribunal Marítimo, documento que descreve como ocorreu o naufrágio do Altair. De tanto que gosta dessa história, Braga foi presenteado pelo filho com uma foto ampliada do navio, envolvida em uma moldura preta. Mas os verdadeiros tesouros que guarda em casa já estavam à bordo do Altair. Ele recebeu de Susana uma edição em branco do Diário de Máquinas, um caderno de capa dura e páginas amarelados que não chegou a ser usado, e também o barômetro do navio. 

Esse já passou por algumas mãos: foi dado pelo próprio comandante ao pai de Susana, que repassou para o tio dela, que o entregou a Celso. O barômetro é um instrumento antigo de meteorologia para medir a pressão atmosférica. O do Altair é envolvido em madeira maciça e tem os ponteiros apontando para indicações em espanhol: tempestad, lluvia, viento, buen tiempo, muy seco

Há cinco anos, Braga ajudou a publicar em um jornal local o que de fato aconteceu com o navio e levou exemplares até o navio encalhado, para entregar a turistas. Queria que, além das fotos nos restos enferrujados do Altair, levassem de lá a história. 

– Daqui a pouco não vai restar mais nada, só as lembranças – lamenta.