Empreendimentos da iniciativa privada visam reduzir custos e redirecionar cargas que vão para terminais de outros Estados
As ondas de Arroio do Sal, no Litoral Norte, trazem boas novas para o Rio Grande do Sul e embalam empreendedores dispostos a desatar o nó logístico que, há décadas, amarra o desenvolvimento do Estado.
Tocados pela iniciativa privada, projetos em andamento no município preveem a construção de dois novos portos marítimos — capazes, na avaliação de entidades e especialistas, de interromper a “fuga” de cargas para terminais de Santa Catarina e do Paraná, reduzir custos e beneficiar a economia gaúcha como um todo.
Os projetos são distintos, elaborados por grupos diferentes e disputam a atenção de investidores em um trecho próximo na costa. São cerca de cinco quilômetros separando as duas áreas, entre as praias de Rondinha Nova e Arroio Seco. Ambas as propostas aguardam licença ambiental e têm pela frente uma série de desafios.
Já apresentada ao mercado, uma delas prevê a instalação do chamado Porto Meridional. Conta com o respaldo do MobiCaxias, movimento que reúne mais de 50 entidades mobilizadas pelo futuro de Caxias do Sul. A outra envolve a construção do Porto Litoral Norte e tomou forma após divergências com o grupo da Serra (veja os detalhes abaixo).
Em comum, os projetos têm terminais de passageiros (inclusive para cruzeiros transatlânticos), áreas destinadas a complexos industriais e acesso via BR-101, além de custo estimado de R$ 5 bilhões. Incluem, ainda, a projeção de calados mais profundos do que o registrado em Rio Grande — único porto para contêineres do Estado.
PORTOS DE ARROIO DO SAL
As perspectivas animam quem sente no bolso o preço de trazer insumos de fora e de escoar a produção para outras regiões do Brasil e do mundo.
— Seria muito positivo para o Estado ter ao menos mais um porto. Rio Grande é o terceiro do país em expressão, mas é só um. Santa Catarina tem cinco terminais de grande porte, e o território é um terço do nosso — destaca o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Petry.
Um porto em Arroio do Sal beneficiaria principalmente empresários da Serra e produtores do Noroeste, que pagam caro para enviar produtos a Rio Grande, no extremo sul. Muitos mandam caminhões carregados até embarcações em Itajaí (SC) e Paranaguá (PR), impondo perdas de arrecadação ao Estado. Se a novidade avançar, os ganhos, segundo o presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura, Paulo Menzel, seriam generalizados.
— Devemos aplaudir a disposição da iniciativa privada em tomar a frente. O custo logístico do Estado é de 21,5%, quando não deveria passar de 6%. A economia como um todo sairia em vantagem, porque impactaria nas cadeias produtivas de forma geral. Hoje, Rio Grande está nadando de braçada. Não existe risco de prejuízo — afirma Menzel.
Superintendente do porto de Rio Grande, Fernando Estima reconhece o esforço do setor privado, mas tem dúvidas sobre a viabilidade dos empreendimentos. A criação de um entreposto na região é acalentada desde o século 19. Até hoje, o custo para superar as condições naturais adversas (litoral reto e mar revolto) impediu quaisquer tentativas.
— O governo do Estado é favorável aos terminais novos e vê com bons olhos a participação da iniciativa privada. O desafio é a viabilidade na costa brava. Se olharmos mais para cima no mapa, veremos que os portos se concentram basicamente onde a natureza oferece abrigo. A questão é saber se será possível ultrapassar a fronteira do sonho e das boas intenções — pondera Estima.
À frente da Associação Hidrovias RS, o consultor e ex-presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) Wilen Manteli concorda:
— Lógico que a ideia é importante, e não só para a Serra, mas apenas o detalhamento dos projetos vai nos permitir avaliá-los em profundidade. De qualquer forma, sendo investimento privado, temos de apoiar, porque o risco é dos investidores.
Responsável pelo desenho do Porto Meridional, João Acácio Gomes de Oliveira Neto, presidente da DTA Engenharia Portuária e Ambiental, diz não ter dúvidas de que haverá êxito.
— O investidor só vai colocar recurso se for viável do ponto de vista financeiro, e já comprovamos que é viável. O que não pode é os gaúchos continuarem com uma logística de ponta-cabeça. Pasme: a gente vê material de Caxias embarcando em Santos (SP). Não tem o menor cabimento. Isso precisa mudar — ressalta Neto.
O mais provável, segundo analistas, é que apenas um dos planos avance. Em meio à disputa, o prefeito de Arroio do Sal, Affonso Flávio Angst, vive dias de euforia. Angst não teme que as praias sejam afetadas, acredita que o município só tem a ganhar e apoia ambos os empreendimentos.
— Estamos recebendo interessados em investir aqui quase toda a semana. Para nós, as expectativas são as melhores possíveis. Da nossa parte, estamos torcendo pelos dois — diz o gestor.
Porto Meridional: modelo onshore e capacidade para New Panamax
- Onde: Arroio do Sal, na altura de Rondinha Nova
- Investimento previsto: R$ 5 bilhões (recursos privados)
- Como será: terminal de uso privado (TUP), no modelo onshore (na costa)
- Capacidade estimada: 40 milhões de toneladas ao ano
- Calado: 17 metros
Com o DNA de uma empresa que atua há duas décadas no ramo, o projeto do Porto Meridional, desenvolvido pela DTA Engenharia Portuária e Ambiental, promete atrair ao Litoral Norte navios do tipo New Panamax, que operam no novo Canal de Panamá, e movimentar 40 milhões de toneladas de cargas ao ano.
A ideia começou a ganhar força em 2018, por iniciativa do ex-prefeito de Passo Fundo e ex-deputado federal Fernando Carrion. Acabou sendo encampada pelo MobiCaxias e pelo senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que auxilia na intermediação com o governo federal.
Em 2019, após estudos batimétricos (medição da profundidade do oceano), concluiu-se que Arroio do Sal era o local mais indicado para a iniciativa (até então, o alvo era Torres). A partir daí, um grupo de empreendedores comprou uma área junto à praia de Rondinha Nova, e a proposta deslanchou.
A intenção, segundo João Acácio Gomes de Oliveira Neto, engenheiro civil e presidente da DTA, é construir no local um terminal de uso privado (TUP) do tipo onshore. Isso significa que o porto funcionará junto à costa. Terá calado inicial de 17 metros (mais profundo do que o de Rio Grande, que homologou 15 metros em 2020) e, com isso, poderá comportar grandes embarcações e cruzeiros marítimos.
— Será um porto diferenciado, com capacidade para receber a classe de navios do novo Canal do Panamá, que foi inaugurado no ano passado. Além disso, incluímos um terminal de passageiros, que é a cereja do bolo, de olho nas oportunidades para o turismo, em especial pela proximidade com a Serra — diz Neto.
O acesso ao porto se dará pela BR-101, com uma ponte sobre a Lagoa de Itapeva. A área principal ficará junto à Estrada do Mar, e a expectativa é de que se transforme em um complexo industrial. Dali, partirá uma travessia sobre a rodovia até o oceano, com esteiras para grãos, dutos e passarela para contêineres. Na água, haverá quebra-mares avançando cerca de um quilômetro adentro, formando uma bacia protetora.
Esse formato, conforme Neto, torna o projeto viável, reduzindo custos e riscos. A ideia é usar basalto da própria região, de pedreiras utilizadas na construção da BR-101.
— O basalto é de boa qualidade e as jazidas permitem a obtenção de grandes blocos. A viabilidade do projeto está muito centrada nisso. Será um porto abrigado, com calado ideal, que poderá ser ampliado para 19 metros, com zero assoreamento e um canal de acesso curto, que exigirá pouca manutenção — projeta o engenheiro.
A expectativa é de que as licenças sejam liberadas em um ano. Até lá, será preciso garantir R$ 5 bilhões em investimentos privados. Parte do recurso é assegurada pelos donos do terreno — seis empresários de diferentes setores que criaram uma sociedade — e o restante será captado no mercado. Segundo o grupo, já há manifestação formal de interesse por parte de investidores, mas os detalhes são mantidos em sigilo.
O projeto foi apresentado ao secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni, no fim de junho, e também a investidores, em Porto Alegre, na última segunda-feira (9).
— Nosso porto é real, consistente e vai transformar o Estado — diz o empresário Moisés Mury, um dos donos da área, que, segundo ele, chega a 700 hectares.
Morador de Xangri-lá, Mury não esconde a contrariedade em relação ao outro projeto em discussão, que, na avaliação dele e do grupo, “não para em pé”. A expectativa dos empreendedores é iniciar as obras do Porto Meridional em meados de 2022, com duração de 20 meses.
Porto Litoral Norte: modelo offshore e capacidade para Chinamax
- Onde: Arroio do Sal, na altura de Arroio Seco
- Investimento previsto: R$ 5 bilhões (recursos privados)
- Como será: terminal de uso privado (TUP), no modelo offshore (no alto-mar)
- Capacidade estimada: 43,9 milhões de toneladas ao ano
- Calado: 30 metros
Projetado em formato offshore (longe da costa), o Porto Litoral Norte envolve uma área de 150 hectares junto ao balneário Arroio Seco. A iniciativa é da Doha Investimentos e Participações, que chegou a estar presente nas primeiras reuniões do MobiCaxias sobre o tema, mas, em razão de divergências, acabou seguindo outro caminho.
Apoiada pelo deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), a proposta da Doha, com sede em Porto Alegre e pouco mais de quatro anos de atuação no mercado, também prevê a instalação de um terminal de uso privado (TUP), porém com algumas diferenças.
— Nosso ponto alto é o calado, que será de 30 metros. Vamos poder receber navios Chinamax, os maiores do mundo, que chegam a levar 23,4 mil contêineres. Não será um porto apenas para o Estado, mas para o Brasil e para a América Latina — afirma Anderson César Leobino, um dos sócios da empresa.
A proposta também prevê acesso via BR-101, complexo industrial integrado, terminal de passageiros e retroárea junto à Estrada do Mar, com viaduto. Segundo Leobino, a ponte de acesso até o píer será de 2,8 quilômetros, com um quebra-mar de 500 metros. O píer, no sentido transversal, terá 1,8 quilômetro. A estrutura terá a forma de “L”.
Sobre as críticas dos concorrentes, Leobino argumenta que sua proposta “olha 50 anos à frente”. Ele afirma que já conta com a garantia de investidores estrangeiros e aval da Marinha. Chegou a ser cogitada a participação de russos no negócio, mas Leobino não confirma e evita entrar em detalhes por questões de confidencialidade.
A intenção é obter as licenças ainda em 2021 e iniciar a construção em 2022, com previsão de conclusão em 2025. Ele ressalta que “há espaço para todos” e diz que sua proposta é menos conhecida porque evita exposição “antes de ter toda a parte burocrática resolvida”.
— Não tenho falado muito justamente porque quero primeiro garantir a documentação, mas o projeto tem viabilidade, recursos assegurados, e o terreno já é nosso — diz.
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